terça-feira, 15 de março de 2016

Quanto menos teatrais somos, mais sentimentais viramos. Porque 'ser' teatral implica em ser duas vezes: aquele quem se é porque é impossível deixá-lo de ser, e aquele outro que inventamos ser ainda que seja impossível sê-lo. E é nesse intervalo entre os dois extremos que se forma uma consciência especial: um terceiro 'eu' privilegiado, alguém capaz de relativizar as próprias dores e olhar para o outro sem despejar em suas costas as dores íntimas que deveriam caber só a nós. Quanto menos teatrais somos, mais protagonistas desejamos ser, dessa espécie de protagonista de monólogos internos e nada afeitos ao mundo que corre para além dos nossos muros particulares. A bem da verdade, ser ator é habitar esse hiato de consciência, é ser e não ser. Mas cada vez menos somos atores porque abandonamos o silêncio fundamental que exige a formação de ser ator, privilegiando, em contrapartida, a personagem. Somos mais personagens que atores, mais sensíveis que racionais, mais sentimentais que pensadores. E pouco ou nada desconfiamos disso. Somos uma geração que o 'ser-ator' virou moda. Mas quantos desses tornam-se de fato um 'ser-ator'? Quase a totalidade dos aspirantes são personagens de si próprios, restritos à melancolia de si próprios, defensores de uma máscara nada expressiva e que some nas linhas de expressão de um rosto já carimbado por um sorriso formatado. Ainda que não o saibamos! A crise ética da qual padecemos é uma crise estética. Num país dominado pelo melodrama lacrimoso das novelas televisivas - há muito distantes de um registro teatral -, o que nos sobra é uma rua igualmente lotada de espectadores birrentos e mimados, sem consciência alguma de que existe um esforço mais generoso do que aquele despendido quando se chora diante da celebridade do momento, ela própria movida por outra dor que em nada a faz emancipar de seu umbigo de galã de destaque comercial. Nossa crise ética é uma crise estética. Somos pobres de espírito porque somos pouquíssimo teatrais, e quase totalmente preenchidos por suspiros, interjeições mixurucas, à partes melosos, enfim, um contingente inteiro de mimimis só nossos. Nossa crise atual é uma crise de espetáculos de péssima qualidade. E somos nós, sem dúvida alguma, personagens à altura dessa trama de fazer inveja ao universo de uma criança de 5 anos com a chupeta ainda na boca e recém saída das fraldas.


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