terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Que bela profissão essa em que estar diante do outro já é um ato político! Repare: um ator confortável em cima do palco, todo ele entregue ao mesmo registro de tônus muscular que ele carrega quando está no aconchego de sua casa esquentando água pro seu chá de camomila equipara-se em gênero, número e grau a esse nosso presidente atual - o mito da nova política -, que não mede esforços em nos mostrar que ele é um homem comum, que não há problema algum em vestir um chinelo para uma foto que será estampada em todos os jornais e confirmará o maior representante nacional de um cargo público relaxado (espontâneo!) em pleno horário de serviço. Relaxado. A mesma corrupção latente que existe nesse ator que apoia o peso do corpo numa das pernas como se estivesse pedindo um café com leite no balcão da padaria e profere o seu texto decorado com o mesmo esforço em que os pulmões se inflam para um bocejo prenunciador de uma soneca pós-almoço de domingo. E tudo isso feito e organizado para existir diante de uma plateia que em nada tem a ver com o jeito despachado e confortável de se existir dessa figura que deveria estar justamente orientada para o inverso dessa 'naturalidade' faceira e 'goishtosa'. Há que se ter muita tensão, muito retesamento muscular, muita força nos pulmões, pupilas extremamente dilatadas e orelhas abertas para 360 graus de atenção ao menor sinal de movimento. Existir publicamente demanda um esforço hercúleo, preparo monumental e uma trajetória que não se resolve nas linhas invisíveis de uma internet que faz nublar a inteligência viva em prol dos filtros de fotografias posadas. Aliás, esse é o nosso tempo, que é um tempo de miséria da política e da expressão, da ética e da estética: o homem comum (a saber, medíocre) que veste a faixa presidencial é o mesmo homem comum (a saber, preguiçoso e vaidoso) que sobe ao palco para se dizer ator e mostrar um pouquinho para nós todos o quanto ele é natural e sincero no seu jeito peculiar de ser, fruto dessa indústria da burrice que virou a imagem televisiva, das novelas e afins, que atribui a qualquer mentecapto com o topete penteado o nobre título de ator/atriz. Bolsonaro, o medíocre, está mais perto de nós do que imaginamos. Basta um DRTÊ no bolso e uma água de colônia para refrescar o sovaco.

Que bela profissão a minha, que me ensina cada vez mais a ficar atento para quem eu sou e para o perímetro que habito.



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