domingo, 7 de maio de 2017

O mundo não é uma ópera, como afirma Machado de Assis. Tampouco um palco, na ótica de Shakespeare. É mais simples que isso. O mundo não passa de uma arena de circo. E nós todos somos os palhaços a atravessar o picadeiro do circo, ansiosos por emplacar uma piada. A coisa toda é uma piada. Um pouco de maquiagem borrada no rosto e um nariz vermelho. Um punhado de truques já tão gastos e conhecidos, e ainda assim escondidos na manga puída do paletó. Desejamos o truque, e há uma cândida ingenuidade em saber-nos vítimas e agentes de uma enganação. Um circo. Palhaços. É o que basta. O homem é isso. Somos só isso. Uma audiência inteira entregue ao sabor de ver refletida a imagem do que somos: um precário borrão que caminha por desejos tão elementares. Tudo é tão precário e tão elementar. E é por isso mesmo, nessa ausência de grandiloquência, que reencontramos com o que nos é essencial e há muito esquecido: a beleza de poder rir todos os risos, e também de chorar todos os prantos. Nos esquecemos dessa humanidade primária que muitas vezes habita soterrada por infinidades de camadas de personagens verborrágicos, enredos complexos e acrescidos por um infinito de ideias e conceitos. Somos só palhaços. Uma máscara mínima - La Mínima - reduzidíssima, e tão plena de lirismos acumulados.

Voltei do teatro. Fui ver La Mínima no teatro popular do Sesi com o espetáculo Pagliacci. E senti-me assistindo a uma fanfarra tocar num coreto, desses coretos antigos e já com a balaustrada descascando, teto destelhado, piso gasto pelo hiato de tempo sem uso, desses coretos centenários que ainda resistem nos centros das praças do interior. Esse pequeno palco emoldurado dentro do palco, e que já é a vida. Uma vida que é vivida só para ser narrada como faz de conta, e que tanto nos diz sobre a vida que sabemos viver sem nos darmos conta de que a vivemos. Como pode algo que se propõe a reduzir-nos à imagem de tocadores de bumbo, tuba, sanfona, gaita, chapadores de prato - ou até mesmo de um serrote feito violino -, como pode essa fileira precária de saltimbancos fazer a praça interromper o seu fluxo? Pois somos interrompidos. E abalados profundamente por essa fanfarra espetacular. O ator é um palhaço. É dele a responsabilidade por fazer brotar novamente uma emoção infantil, alargar os lábios num riso despretensioso. O teatro e o ator de teatro, só eles, conseguem fazer isso: resgatar a lembrança primeira de quem fomos, e recuperar aquele fôlego inicial que permite enxergar novamente uma paisagem diante dos nossos olhos. O teatro é um circo. A vida é circo. E todos, todos somo palhaços.

Os elogios são inúteis. Esse texto é inútil. Vá correndo ao teatro testemunhar essa maravilha. Atores, direção, cenário, luz, figurinos, música... Tudo deslumbrante. Parabéns ao SESI!

Obs: Minha última vez em que frequentei o teatro foi no espetáculo de encerramento do nosso saudoso Peer Gynt, eu na posição de ator, no mesmo palco do teatro do Sesi em que vi hoje o Pagliacci. Pois me sinto deveras orgulhoso e emocionado em passar o bastão à essa trupe de artistas geniais que me lembram - e fazem-me alerta - para o sentido fundamental do meu ofício: o de contar uma história para o outro, fazer da audiência uma coletividade de ouvidos e olhos abertos.

Muito obrigado, de coração e alma!

Viva o teatro! A principal trincheira contra à obtusidade humana!

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