quarta-feira, 10 de maio de 2017

Nunca fiz um videobook, nunca fiz um book posando meu nariz de perfil com luz especialmente escolhida para valorizar minha silhueta. Sou vaidosíssimo. Sou ator. Quando abrem as cortinas, faço todo tipo de macumba para que eu seja aplaudido ao final. Mas a minha vaidade é terceirizada (esse é o termo da moda, não?). Eu delego a minha vaidade à mentira que conto. Sou eu, mas não sou eu (percebe a dialética fundamental?) Eu sou uma mentira. A verdade é que eu sou uma mentira (outra dialética, pescou?) Uma farsa completa, é o que eu sei que eu sou (uso bastante esse pronome pessoal "eu" porque sou vaidosíssimo, reitero). Por saber da minha qualidade de farsante, eu concedo à inteligência do outro a compreensão de que o que eu faço está para além de mim, pessoa física. Só pode estar para além de mim, senão eu seria um completo idiota. E idiota não só porque abro mão da mentira para tentar torná-la verdadeira aos seus olhos - isso já seria, sem dúvida nenhuma, deveras idiota -, mas porque há um certo senso do ridículo que foge à minha condição de mascarado profissional. Há um ridículo fenomenal e constrangedor naquele ator que se posta à frente de Hamlet na exigência de que ele, pessoa física, seja mais urgente que a máscara que ostenta. E, como eu sou vaidoso ao extremo, preservo ao máximo essa qualidade de ridículo para que os aplausos que eu espero que sejam reservados à minha pessoa venham em proporção ainda mais caudalosas. Quero um aplauso fenomenal ao final. Quero o teatro todo aos meus pés. Mas, é só por um breve instante que me permito guardar a máscara debaixo dos braços ao som das palmas estaladas. Depois, admito, sinto enormemente um ridículo fulgurante em perceber um bando de gente aplaudindo sem parar a figura que eu represento diante dele. Um ridículo por mim, e outro ridículo pelo bando (somos todos perigosamente talhados para o ridículo, alguém duvida?). Agradeço orgulhoso aos aplausos (sou vaidosíssimo, já disse!), mas não me demoro muito nessa posição de alvo das atenções, não. Volto correndo e constrangido para o camarim para me preservar para a próxima mentira que está por vir, e da qual serei eu o responsável por levar a cabo. A pior invenção dos últimos tempos é o hall do teatro. Ter que atravessar o hall do teatro é como atravessar em câmera lenta um corredor polonês. Ou muito pior que isso, já que os afagos, em determinada circunstância, são mais cruéis que chutes no traseiro.

Eu sou uma mentira. É ela que me salva de virar um completo idiota, um tremendo dum ridículo refém de uma vaidade que me fugiria ao controle.

O teatro me salva.

O mundo é um palco.

Todo ator - pessoa física ou jurídica - que se dá ao direito de se achar superior à máscara, ao teatro, pertence a essa espécie de gente corrupta, egocêntrica, e cuja vaidade envenena a alma de tudo o que faz parte de uma esfera pública e comum.

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