sexta-feira, 12 de maio de 2017

Há um erro fundamental em achar que o ator é essa figura camaleônica que muda de personalidade na medida em que as personagens lhe são atribuídas. Isso é fruto da supervalorização do ator, coisa que estamos tão enfeitiçados que mal paramos para considerar. O ator não é mais importante que a personagem. E, se o ator é quem dá voz à personagem é justamente porque já há uma voz da personagem que compete ao ator reproduzir. Reprodução que é também criação e descoberta, mas que não faz do ator o autor de nada. A coisa já está lá, a espera de ser descoberta, a espera de ser criada. 
Não há esforço em fazer a personagem, como se fosse da responsabilidade do ator provar para quem quer que seja de que ele é capaz de dar um outro corpo que não o seu corpo, a sua voz que não é mais a sua voz, o seu timbre que não pode ser mais o seu timbre à personagem. O paradoxo é esse: se há no ator a preocupação vaidosa de mudar a si mesmo para chegar até a personagem (o ator sempre gosta desse elogio: caramba! Você era completamente outra pessoa!) o que sobra, quase sempre, é a evidência do ator no primeiríssimo plano. Ao contrário, se o ator compreende que não há a necessidade alguma de mentir que ele não é aquele quem aparece diante do espectador, e dedica-se tão somente ao exercício de ser o arauto de uma máscara, de uma figura que lhe é prévia e superior, e endereçada à uma função narrativa dentro da obra, aí sim, o que aparecerá diante da audiência será justamente a personagem, e não o ator que tenta provar o quão habilidoso é em sua função de mentiroso.
Só é possível mentir quando é a mentira quem mente.
Não é preciso convencer um violinista de que ele precisa tocar trombone. Um violinista é um violinista. Um trombonista é um trombonista. O mesmo com o ator: não é preciso fingir o que não se é. Basta fingir dentro da mentira que lhe cabe, e que será sempre prévia e superior.


...



...

Nenhum comentário:

Postar um comentário