segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Uma peça de teatro deve ter o mesmo charme que há nessas fanfarras que tocam nos coretos das praças do interior. Esse charme é essa mistura de uma certa desafinação com a dignidade de juntar os instrumentos antigos para soprá-los como se fossem instrumentos da mais nobre orquestra sinfônica que habita a face da Terra. Esse charme é a maravilha da imagem que vemos do soprador de corneta que com sua pança quase faz estourar o único botão da casaca puída que veste. E, indiferente a isso, o corneteiro é mais elegante que o mais bem apessoado dos trompetistas já surgidos pelos palcos do mundo. Uma peça de teatro deve ter o charme próprio do coreto da praça. Um lugar meio descascado pelo uso tempo. Um lugar aparentemente aposentado das suas funções, coagulado no espaço, quase triste e melancólico. Mas lotado de vida, e justamente por parecer morto. É um 'quase lá' que faz toda a diferença. Uma peça de teatro deve ter a energia concentrada do próprio teatro, do próprio palco que pisa. É ela - a peça de teatro -, uma mistura desses opostos todos, do macro com o micro, do grandioso com o detalhe, da tragédia com a comédia. É rir com um olho e chorar com outro, e ao mesmo tempo. Uma peça de teatro deve lembrar-se sempre da função mais importante que está a cargo do ator: a de tratar com absoluta seriedade a aventura insignificante da vida.



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