segunda-feira, 6 de junho de 2016

Uma das baboseiras mais recorrentes é essa de que a arte espanta a timidez. É verdade que arremessar um pobre sujeito diante de uma plateia lotada o obrigará inevitavelmente a sambar com as ancas travadas. Mas isso é um choque de realidade, não um serviço que a arte presta ao pobre diabo que é tímido e tem vergonha de enturmar o seu nariz com os narizes alheios. Quanto a isso não é necessário arregimentar qualquer esforço extra, uma vez que é do espetáculo da vida tocar um samba e exigir que os passistas da avenida da existência rebolem até ajustarem-se à música. A arte presta outro serviço diametralmente oposto à esse: ela cultiva a incapacidade que temos de nos expressar normalmente, e, desse caldo de inadaptações, canaliza uma força impossível de se conter. A expressão é antes o resultado de um grito reprimido, impossível de ser gritado nas ruas, do que o fruto da espontaneidade do artista. O artista, o artista verdadeiro, é sempre alguém que faz a manutenção de uma certa obtusidade, alguém rarefeito aos paparicos efusivos e desinibidos das esquinas, abertamente recluso e ensimesmado. A expressão poética é a imagem e semelhança da lava incandescente que eclode de um vulcão. E essa lava só é potencialmente destruidora - como toda poesia deve ser - porque foi mantida no escuro, no silêncio, até o exato momento de dar às caras. 

Arte nenhuma se presta a desinibir ninguém. Muito ao inverso disso. O que desinibe é monitor de festinha infantil brincando de siga-o-mestre com a patota de pimpolhos histéricos..., fora isso, tudo bobagem e das grossas!


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