segunda-feira, 20 de junho de 2016

Se o ator não deve se ocupar com nada ao entrar em cena, com nenhum tipo de frescura do tipo 'e-se-eu-fosse-o-Fulano-de-Tal' para dar conta da personagem, é porque acredito que o ator deve estar absolutamente ocupado ao entrar em cena, mas ocupado com a consciência de que ele É O ATOR que acabou de entrar em cena, e que a sua preciosa função não é imaginar-se outra pessoa que não ele, mas fazer com que os outros, os espectadores, imaginem que ele que está ali em cena, e que É UM ATOR que acabou de entrar em cena, não é um ator, mas outra pessoa. Fingir ser outra pessoa não é fingir-se outra pessoa, é fingí-los que se é uma outra pessoa (existe essa forma verbal?). Fingir para o outro exige que você seja rigorosamente verdadeiro consigo mesmo. É como se o mentiroso tivesse como regra obrigatória a verdade de que ele mente. Um milímetro de contaminação - ou de desejo de contágio -, para com a própria mentira contada e já é suficiente para que a imaginação do outro, do alvo da mentira, interrompa o seu fluxo de fabulices. O bom ator mente e sabe que mente. É disso que o bom ator se contamina: do prazer em mentir, em ver-se mentindo, e, sobretudo, em testemunhar que a sua mentira é capar de enganar quem está lá só para isso: para ser enganado. E esse é precisamente o papel do público: dar-se ao engano de ser enganado. O bom público sabe que está sendo enganado e engana-se porque o ator não escorrega na tentação de ser ele também contaminado pela mentira que conta. Um espectador que só quer a verdade é tão resistente ao bom teatro quanto o ator que entra em cena ocupado com a sua personagem.




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