sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Viva o nosso Peer Gynt!

Uma das cenas de que mais gosto de fazer é a de uma cantoria coletiva regida por um maestro. E dura pouquíssimo, segundos acho. Estamos todos do elenco na cena, e todos condicionados a uma métrica musical, perfilados, trajados com figurinos e debaixo de luzes fortes. Não há chances de interpretar nada. Não há espaço para se dar uma versão pessoal de nada. Só estamos ali, cercados por tanta coisa, emoldurados por tantas referências, que a própria ideia de personagem some, desaparece. E a canção nos orienta a seguir por ela. O maestro guiando nossas vozes. Já não somos individuais, o único destaque que existe é o do corpo coletivo que aparece com força. Somos então uma trupe. E de cara limpa fincamos os pés no chão para cantar e contar o que se canta. É só isso. Nada dramático, só épico. Daquele tempo em que teatro era de fato um exercício de olhar para a plateia e contar uma história para a plateia. E dá um prazer danado. Acho que há uma ética na estética. E essa cena traduz o que penso de teatro. Se não houver a força de uma trupe, não há terreno aberto para ninguém atravessar o palco com as próprias pernas. Em tempos de choramingos melodramáticos e crises emocionais de toda espécie, de elegia ao ator-sensação do momento, de babação de hormônios aos astros-da-imagem, do culto ao EU, o teatro sobrevive resgatando a sua origem: evento público e coletivo. O grupo sobrevive. Sortudo sou eu. Sortudo somos nós. Viva!


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