sexta-feira, 17 de abril de 2015

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O teatro e o ofício de fazer teatro é o subsolo de tudo, o andar debaixo, a terra primeira onde aprende-se a pisar para depois esquecê-la em função das purpurinas e glamoures da vida. Mesmo quem não é e nunca foi ator, ainda assim, faz teatro, e fazer teatro por ofício é esclarecedor por conta disso, porque somos o tempo inteiro formados por matérias ficcionais, camadas sobrepostas de mentiras adquiridas, bufões a espreita de um palco para desfilar solilóquios e angariar aplausos do mundo. Fazer teatro é pedagógico porque é lá que se compreende a precariedade de tudo, a indiscutível tragédia de se saber perecível, impotente para as loucuras de poder, status, fama e vaidades outras. O ator de teatro é um cientista que sempre falha na tentativa de descobrir a cura de uma doença rara. E ainda bem que falha. Falha para continuar falhando. Fazer teatro é um privilégio e uma grande dor ao mesmo tempo, é entrar em contato com a consciência que nos impede de mentir, torna-nos frágeis para a vida, sensíveis ao descalabro das farsas a que somos obrigados a tomar parte. Mas também é encorajador porque viver a fraqueza permite redirecionar o pouco de força que nos alimenta, saborear os risos do absurdo de cada esquina, economizar energias para as cenas que realmente mereçam nossa atenção. Fazer teatro é emprestar o corpo ao tempo concreto, atingir e ser atingido pela dificuldade de dar conta do impossível. Todos os outros protótipos modernos daquilo que virou o ofício do ator, aqueles que passam longe do palco para defender seja lá que imagem protegida por sabe-se lá qual suporte, não são atores na acepção da palavra, ou são, como todos nós o somos, mas destituídos, ao menos, da certeza de sua ridícula condição. Já é um universo de distância.


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