domingo, 11 de junho de 2017

Leio no jornal de hoje uma matéria sobre os preparativos de uma determinada atriz de novela para representar o seu papel na televisão. E o resumo é esse: se a personagem rebola as ancas dançando ao ritmo da rumba caribenha, é preciso, então, fazer laboratórios de rumba caribenha para que se possa rebolar as ancas e dançar rumba caribenha para não contrariar a vontade da personagem, que é uma contumaz dançarina de rumba caribenha. Se a personagem é harekrishna, lá vai a atriz rumar para retiros harekrishnas no topo da serra para imersões espirituais trajando saias cor-salmão e rabicó pendendo da cabeça raspada, afinal de contas, a personagem é harekrishna de verdade, e quanto a isso não há o que argumentar. E assim sucessivamente, o ator não é outra coisa senão um capacho da personagem. Mas um capacho mentiroso, um falso-modesto, porque esconde-se aí uma vaidade gigantesca que diz o seguinte: os sacrifícios do ator renderão a ele os méritos de anular a si próprio e dar vida à personagem. E, uma vez que as personagens de nossas novelas atuais são sempre a mesmíssima coisa - uma mistura de feijão sem tempero com empadinha de palmito sem azeitona verde -, o que sobra no primeiro plano é o nosso espanto em ver o ator se esforçar para se transmutar naquilo que ele não é, mas sempre foi: um rostinho que se adequa a total falta de carisma da figura que representa. Mas isso é o de menos, porque já não assistimos mais as novelas por conta dos seus enredos, personagens e afins. Já que o máximo de qualidade dramática apresentada é uma personagem que sabe dançar rumba caribenha, colamos nosso nariz na tela para comprovar se a atriz de rosto e silhueta invejáveis sabe, de fato, dançar rumba caribenha, ou, se ela cumpriu como prometeu os seus laboratórios de rumba caribenha (mais adiante ela aparecerá no Domingão do Faustão para explicar tim-tim-por-tim-tim as etapas do seu calvário em busca da correta rebolagem das suas ancas em direção à rumba-caribenha). 
Fico imaginando o ator de teatro que vai representar Édipo nos palcos... O quanto morreria de rir da cara de quem oferecesse a ele laboratórios de imersão na personagem, ensinando-o a como bradar AI DE MIM sem parecer piegas. 
O teatro tem essa dinâmica: o ator não precisa competir com a personagem. O ator jamais se equivalerá com o quilate poético de uma personagem forjada para os palcos. E isso por uma única razão: o ator de teatro sabe que ele sempre perde, que a peça se encerra com ele acabado, destruído, cansado, suado, depauperado. E ele também sabe que é justamente essa a regra para que se faça bom teatro: deixar o teatro passar.
O rostinho do ator de teatro que fosse se apresentar para uma entrevista seguindo os moldes dos depoimentos da referida atriz de novelas seria um tanto diferente, aposto: com mais rugas, linhas de cansaço, cabelos brancos... e aquele olhar de cinismo de quem viveu o suficiente para ter o direito de gargalhar de quem entende encontrar nele alguma fonte de explicação para o seu ofício de ator.


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