quarta-feira, 26 de abril de 2017

Uma das tantas baboseiras que inventaram sobre o artista é que ele é, quer queira ou não, uma tal de figura pública. E de posse desse figurino de figurão público ele acredita agregar uma série de mesuras cívicas, éticas, ideológicas, tudo convergindo para um certo dever de tornar o mundo melhor, apresentar-se como exemplo a ser seguido, uma espécie de embaixador da boa vizinhança que ganha pontos todas às vezes em que ajuda uma velhinha manca a atravessar a rua no farol vermelho, ou simplesmente um sujeito atento e vigilante às modas do tempo, com medo de se comprometer diante do burburinho coletivo. Ou até mesmo algum hippie esquisitão, que só é esquisitão porque há um mercado alternativo da esquisitice para que haja alguns poucos esquisitos a serem aplaudidos por sua relevante alma esquisita e proclamada. Pois acho tudo o inverso. O artista é quem morre para a vida, e de lá, do além, resolve contar despretensiosamente umas boas verdades. É um Brás Cubas. Um fantasma impertinente. E sem fazer esforço para se tornar um misantropo indesejável, porque senão vira gente Cult, tão besta quanto os figurões públicos, os medrosos covardões ou os hippongas da lojinha do paz-e-amor. O artista é, por princípio, alguém que mandou uma banana para as idiossincrasias desse mundo chato e civilizado (ou nem tanto). Acho infinitamente mais digno conferir ao artista a alcunha de bobo da corte, figura saltitante que vagueia pela periferia mal iluminada do trono. Seu poder esta justamente aí: numa inutilidade completa para o funcionamento do sistema. O poder de fogo do artista está no quanto de invisibilidade ele consegue atribuir a si próprio. O inverso é igualmente verdadeiro: basta torná-lo uma figura de auditório para idiotizá-lo dos pés à cabeça.


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