quinta-feira, 16 de março de 2017

Gosto quando a personagem é maior do que eu, quando o figurino é mais pesado do que as roupas que uso na vida, quando as palavras são palavras difíceis de mastigar e que não caberiam na minha boca em condições naturais. Gosto quando a personagem me faz calar o bico, quando não há espaço para contribuições pessoais, quando a minha biografia pouco importa para dar suporte à personagem. Gosto da personagem que não abre concessões para passado, presente ou futuro, desse tipo de personagem que não cabe nos gabinetes do teatro realista. Gosto da personagem que sabe perfeitamente que acima dela há refletores, que diante dela há espectadores e que, numa distração breve, entrega ao público que tudo não passa de um jogo precariamente equilibrado na corda bamba do faz de conta. Esse tipo de personagem é aquela que faz você esgotar corpo e espírito, mas que devolve também a você uma sensação esquisita de que a função do ator é absolutamente simples: é a de produzir presenças, é ter pulmões, é organizar o espaço para dançar uma certa partitura que será conduzida pelo verbo. E isso é verdadeiramente simples. Enfim, gosto das personagens que nasceram do teatro para o teatro sem nenhum tipo de interferência exterior às fronteiras que erguem o teatro. Gosto fundamentalmente das personagens que me anulam da cabeça aos pés. Um viva a Peer Gynt. Um obrigado a Ibsen. Um eterno agradecimento ao teatro e a quem pertence ao teatro, e somente AO TEATRO.


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