quinta-feira, 12 de março de 2015

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Acabo de ver um desses atores pela TV. Um desses atores cujo talento não sabemos ao certo qual seja - ou talvez aí está justamente o motivo de tudo: a carência completa de qualquer talento -, alçado ao posto dos atores de destaque do Olimpo da teledramaturgia. Porque essa é a vantagem de ser ator nos dias que seguem: a absoluta não necessidade de ser ator. Sorte a qual os médicos, por exemplo, estão longe de se submeter. Os médicos, e também os engenheiros, e os advogados e os arquitetos também. Todos eles são o que são. Um médico precisa ser médico para ser médico. O engenheiro necessita tornar-se engenheiro para ser engenheiro de fato. Advogados e arquitetos, por sua vez, só são o que são: advogados e arquitetos, porque alcançaram um dia o direito de tornarem-se advogados e arquitetos. Já com o ator é diferente. O ator não precisa ser ator. Qualquer pobre diabo é ator. Qualquer pobre diabo vira ator. Para ser ator basta virar ator. E para virar ator basta desejar tornar-se ator. É uma voz íntima que diz: tens vocação para ser ator, e isso já basta, é mais do que o suficiente. É um trato de si para si mesmo, e dane-se o mundo. E não demora a conclamar-se uma plateia imensa para estar diante desse ator que é ator porque um dia quis ser ator, e ator é agora. Todos o chamam de ator. Então porque ele, o ator, haveria de duvidar de quem ele próprio acredita que seja: um baita dum ator alçado ao posto dos atores de destaque do Olimpo da teledramaturgia? Mas ele lá está, é um treco à serviço de um tanto de outros trecos tecnológicos, perdido no meio de uma paisagem onde esperam que o seu charme de ator componha com o cenário natural escolhido para deleitar os telespectadores no início dessa que será a grande nova novela. Só diferente daquela outra que passou porque essa novela agora é a nova novela, ainda que tenha ela tudo do que a antiga novela tinha: os mesmos protótipos de atores que viraram atores por força do ânimo interno e apelo às carícias comerciais, a mesma expectativa de inaugurar uma nova maneira de repetir as mesmas coisas. Hoje é muito fácil ser ator: basta não sê-lo.

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