sexta-feira, 13 de março de 2015

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Aos atores cabe uma consciência privilegiada: a consciência da periferia. Porque uma prática típica da nossa raça - atores ou não atores -, é a de inventar substância onde só há periferia. E o ator é um ser periférico por princípio. O ator não tem substância nenhuma, só vazios. E de vazios são compostos tanto os atores como todos os outros que não são atores, mas que por inconsciência da periferia, atribuem valores de substância àquilo que não suporta substância alguma. Quando dizemos do tal fulano que ele é um fulano excepcional, esse adjetivo maravilhoso não é outra coisa senão uma mentira das grossas. O fulano será sempre só fulano, o pouco e o muito que a providência divina lhe deu a sorte de usufruir. O resto é mentira, ainda que tratada como substância, argumento para se proteger sabe-se lá qual ideia de ética e caráter. E a mentira é a matéria prima do que é periférico. Que também é a matéria prima do ofício do ator. Mas nós, em regra geral, nunca advogamos em favor de mentira alguma. Muito ao contrário. Dizemos que somos quem somos, ou seja, verdadeiros para conosco e para com o mundo (caso um ator defenda isso, ele é, sem dúvida alguma, um péssimo ator). E aí já mentimos, ainda que pensemos estarmos sendo verdadeiros, substanciosos em nossa conduta moral. Tudo mentira! Imaginar ser quem se é é de um cinismo ridículo. Ninguém é quem é. Só somos aquilo que nos é dado a ser, e, por isso, faz-se necessário aprender a sambar de acordo com a música, a vestir o figurino que melhor adapta-se à farsa. O ator sabe que mente. O ator mente para ser verdadeiro porque sabe que é impossível raspar qualquer tipo de verdade. Só é verdadeiro porque mente bem, e se mostra transparente em sua mentira. É pela mentira, pela periferia que o ator existe. Bendita a sorte de nós, atores, de sermos atores, e, por consequência disso, podermos rir de todos aqueles - e de nós mesmos quando fraquejamos - que povoam-se de atributos de substância sem desconfiar que a única trama possível nessa vida é a tragédia de uma identidade imaginada, nunca fiel à verdade nenhuma.


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