sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Reconheço você na medida em que há uma distância entre mim e você. É por essa distância que eu o enxergo. E também recolho meu olhar novamente de volta, já carregado da imagem que você configurou em mim. Se não houvesse essa distância não haveria jeito de produzir qualquer civilidade nos nossos encontros. A distância aproxima, relativiza, reconsidera a certeza anterior que eu tinha em ser quem eu era. Desmonto você e sou desmontado por você. O que se ergue depois será um monumento senão melhor que o anterior, ao menos, então, mais atento. Nos tornamos mais atentos um ao outro por intermédio da distância. Seríamos os dois, eu e você, dois polos transbordantes de ensimesmamentos impenetráveis caso não existisse esse ponto privilegiado de onde consigo enxergar você distante de mim. O que produz as distâncias são as artes, a linguagem da expressão simbólica. A sensação de que somos hoje insensíveis e sanguinários uns com os outros não é porque somos violentos por ignorância ou falta de opção. É sim porque já não há distâncias entre nós, porque tudo se tornou um imenso território de intimidades não compartilhadas. A arte virou depoimento pessoal, a linguagem da expressão é refém da minha necessidade de dizer quem eu sou. Quanto mais restritos ao sentimento que bate dentro dos nossos corações, mais crápulas nos tornamos. Nossa violência é a consequência do excesso do desejo de dizer ao mundo quem somos.


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