domingo, 19 de julho de 2015

A respeito daquilo que fazemos, não se deve amar o que escolhemos fazer. Aliás, de nada serve amar o que se faz. Os artistas de hoje dizem que fazem o que fazem porque amam o que fazem. São artistas menores. Ou melhor, podem ser tudo, exceto artistas de fato. Artistas dessa indústria do 'precisamos ser felizes', artistas do amor pela ideia de ser artista. Nada a ver com o ofício de ser artista. Há uma equação errada aí que afirma que fazer bem algo pressupõe amar a esse algo a ser feito. Ninguém que faz bem alguma coisa tem isso na cabeça, essa ideia de que é preciso amar aquilo a qual se dedica esforço, tempo e paciência. Quem faz bem alguma coisa o faz porque sabe, por alguma razão, que é preciso fazer bem essa tal coisa. É necessário fazer bem. É imperativo que se faça bem. E ponto final. E é essa força que move alguém a fazer bem algo. Não o amor por esse algo. O artista verdadeiro não morre de amores por aquilo que faz. O artista verdadeiro padece de preocupações profundas para dar conta de fazer aquilo que é preciso ser feito. Há muito mais um sentimento de crise, de insatisfação, de medo, de desespero no artista verdadeiro, do que essa ideia de que ele é impelido por alguma espécie de amor idílico. Pensando bem, é bastante provável que um artista verdadeiro esteja mais imbuído de ódio por aquilo que faz do que por amor. Ser artista é uma condenação, não um estado de espírito. Era melhor não ser artista. Mas, não havendo escolhas, é preciso agir. O artista verdadeiro é feito à imagem e semelhança de Hamlet. Hamlet enxerga o mundo, e isso o paralisa numa consciência de dor. Mas é uma paralisia que antecipa uma ação fundamental, uma ação que irá desembocar no sacrifício de si próprio em favor da verdade. Ambos, Hamlet e o artista, são suicidas exemplares. Nada de amor nisso. O artista faz porque é preciso fazer. Seu ódio é combustível, sua dor é motivação para agir. O ofício de fazer algo demanda uma ação concreta, direta, e não uma imagem romântica do amor que está embutido nesse ato de fazer. Não há amor algum. Há ação. Somente ação. Todas as vezes em que alguém diz que ama o que faz é porque não faz o que é feito da maneira correta, ou, talvez, o faz para si, e, sendo algo para si, já lhe basta fazer o que se faz. Ama e deixa-se amar pelo ato de fazer, mas só o faz para si. É a condenação desse mundo atual onde vivemos: busca-se o amor, e o amor autorreferente, o da satisfação própria, o estar feliz consigo próprio, e esquece-se da ação, do verbo, do agir. A ação significa esquecer-se de si próprio e dedicar-se a algo a ser feito. Pode haver tudo nesse ato: dificuldade, tensão, estratégia, risos, lágrimas, suores... tudo, exceto amor.

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