quarta-feira, 15 de julho de 2015

A miséria da qual padece o ator de teatro é coisa benfazeja, é uma sorte imensa até. Porque desde o princípio o ator de teatro move-se por outra coisa que não é o dinheiro, não é o desejo de traçar um plano de carreira que o faça milionário aos 30 anos. Tampouco o ator de teatro gasta energia preocupando-se em galgar postos dentro de uma empresa até chegar ao cume de poder chefiar os outros, de ser admirado pelos outros. Não! O ator de teatro parece frequentar outro terreno que não é esse da ostentação material ou abstrata. O seu próprio ofício o ensina a jogar fora a tentação por apegar-se ao que quer que seja, a desconfiar dos prêmios e dos fracassos, a saber entender que viver é da mesma qualidade repetitiva daquilo que ocorre em cima do palco, afinal, por pior que tenha sido o dia de hoje, amanhã o sol haverá de despontar novamente no horizonte. Um tropeço hoje sobre as ribaltas é anulado pela sessão da noite seguinte. E assim por diante. E assim sucessivamente. O instante para o ator de teatro é coisa cara. Só o instante, e nenhuma outra promessa de eternidade, futuros de glória ou naufrágios iminentes, é capaz de arregimentar as energias do ator de teatro. Porque a consciência de morrer logo, de ser coberto pela escuridão do palco, lhe injeta vida na alma. A miséria da qual padece o ator de teatro, a miséria de não ter muitas vezes onde se agarrar por motivo de tantas lacunas que o próprio ofício lhe impinge, é isso mesmo que o permite aprender o imenso valor do descaso para tudo o que é impossível de fazer reverberar dentro de si. O ator de teatro, só o ator de teatro, e a despeito de todas as sofrências inerentes à sua labuta, ganha o que é de mais precioso ganhar nessa vida: a liberdade espiritual. E a consegue porque decide fincar suas raízes na margem, na periferia do burburinho coletivo, das notícias, da evidência dos assuntos, departamentos sempre tão importantes quanto imprestáveis.

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