terça-feira, 4 de novembro de 2014

"(...) O homem se explica em Deus, mas por aquilo que representa em Deus a essência atual do homem; isto é, seu poder é uma parte do poder de Deus, ele é uma parte da natureza; é impossível que seu corpo não receba, dos corpos que lhe são externos, mudanças das quais ele não é a causa, que seu espírito não receba ideias que ele não formou. Ou seja, é impossível que ele não seja passivo, presa das paixões. Suas ações são resultantes necessárias das leis universais; nele, nada vem dele; ele é um escravo (...)"
Léon Brunschvicg, sobre a filosofia de Spinoza.
Através do mesmo princípio se dá o trabalho do ator. Ele é parte da personagem na medida em que a personagem configura-se como mundo tangível, atualizando em si uma potência que pré-existe enquanto ideia e essência. O ator nada cria, mas deixa-se ser afetado ao mesmo tempo em que afeta um terreno de intensidade existencial, não havendo necessidade de fazer maiores esforços para habitá-lo porque desde sempre o esteve habitando. Não cabe ao ator o exercício de 'ir' atrás da composição da personagem como se a personagem fosse o fim do percurso de uma busca, como se ela estivesse além, na perspectiva imaterial de um Deus a ser tocado um dia. A personagem é matéria que exerce força sobre o ator que é parte integrante do mesmo mundo. Tratando de outra maneira, pensar o ator como esse elemento especial que dá vida à personagem é torná-lo refém de uma relação de poder onde ele próprio será sempre a vítima (ainda que possa pensar o contrário), condicionado a uma espécie de imaginação piedosa que em nada é criativa, senão aprisionadora de um universo íntimo, sem maiores alcances aos outros corpos. Ao invés disso, o ator desenvolve para si uma constante passividade consciente, porque reconhece ser somente uma parte do universo ao qual não tem controle algum, senão agindo como canal de distribuição de intensidades desse mesmo universo em que habita e é habitado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário