quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Nunca sabemos de fato o que é que estamos fazendo. Sabemos, em verdade, pouca coisa, ou o suficiente para cumprir com o combinado: ir de cá para lá, emitir o texto com a saúde dos pulmões, respeitar pausas, preencher tempos. E pronto. A nossa loucura é muito mais uma loucura do enfrentamento dessa duvida monumental que é a de desconhecer o que de fato estamos produzindo aqui, nesse instante - e ainda assim sermos impelidos para adiante -, do que alguma crise que pertence às dores das personagens. A nossa dor, que é a dor da dúvida, que é também um vazio enorme, já é suficiente para esgotar todas as energias de que dispomos para subir ao palco. A plateia nos devolve em parte o resultado do nosso esforço. Em alguma medida os espectadores nos respondem sobre o que procuramos. Mas também a plateia é matéria inconstante, ela também é por si só recheada de dúvidas quanto ao sabor daquilo que fazemos. Portanto, o terreno permanece movediço, e sempre assim: movediço. Um mesmo espetáculo que circula por diferentes palcos também acresce interrogações a nós, que somos os atores. A superfície em que se pisa é determinante para uma mudança de eixo, daquele eixo de equilíbrio em que estávamos acostumados ontem, e que hoje já não existe mais. A distância entre nossa cabeça e o urdimento, invisível ao espectador, é um espaço importantíssimo, que também modifica a nossa existência. O ângulo dos refletores, a altura do palco, o cheiro da sala, o tecido das poltronas e a disposição das fileiras de poltronas... Tudo, absolutamente tudo estampa dúvidas e mais camadas de dúvidas em nós.
Somos bombardeados o tempo inteiro por um contingente enorme de informações impossíveis de serem completamente assimiladas. E é assim sempre: até o final da temporada, até o último apagar do último refletor. É sempre de uma ignorância suprema interrogar o ator sobre a sua personagem. Não nos ocupamos dela nunca. O que nos guia é a urgência de continuarmos de pé, erguidos. De resto, não temos certeza de nada. E essa carência de certeza é de uma força retumbante. Talvez o exercício do ator seja muito mais o de resistir a sucumbir à ela do que a presentificação de alguma integridade imaginada.


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