terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Acho ótimo que se tenha um fardo para carregar. Dá sentido à vida. Equaliza as euforias, relativiza os dissabores. O teatro, por exemplo, é um fardo. Um baita fardo. É um fardo ter de ir rotineiramente ao teatro repetir as mesmas deixas, preencher os mesmos tempos, aguardar que aquilo que se espera dizer seja dito. E depois esperar a cortina se fechar. Tirar a maquiagem do rosto. E rumar para casa. E no dia seguinte retornar ao palco. É um fardo. Que não é 'coisa ruim', tampouco 'coisa boa', ou é as duas coisas juntas. Ninguém que olha para o teatro e o cobre de elogios, de festas, de brindes, de urros e vivas diz a verdade. É comum acontecer isso: deslumbram-se com a beleza que é estar diante da plateia, com a magia da coisa, para fazer com que o teatro aconteça. Ou ainda pior: tentam sanar uma dívida íntima, uma incompetência particular, conferindo ao teatro esse local quase que espiritual de crescimento e aprendizado. Teatro é também escuridão. É um fardo, e dos grandes. Um ter de atravessar uma jornada. E ninguém que atravessa de fato uma jornada o faz jogando confetes para cima. E me parece bastante imprudente rumar numa jornada dessas sem antes haver se preparado para o sol na cabeça, a escalada íngreme, o equilíbrio precário do precipício. Com o prejuízo ainda maior de que uma queda, no teatro, é sempre um tombo coletivo. Leva-se todo mundo junto para o fosso. Haja responsabilidade!

Fardo é um dever, uma necessidade. Algo que minimiza o que pensamos sobre a vida e sobre nós mesmos para orientar-nos para a ação. Ter um fardo é ter que agir. É movimentar-se. E isso já é razão suficiente para encontrar sentido em estar vivo, e alerta.

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